10 Considerações sobre Até você saber quem é, de Diogo Rosas G. ou aquele velho assunto do Diabo
O Blog Listas Literárias leu Até você saber quem é, de Diogo Rosas G. publicado pela editora Record; neste post as 10 considerações de Douglas Eralldo sobre o livro, ou aquele velho assunto da natureza do Diabo e suas caras pela literatura brasileira, confira:1 - Até você saber quem é, de Diogo Rosas G. é um daqueles livros compostos por camadas: o livro dentro do livro; isso porque toda a narrativa mostra-se uma espécie de biografia escrita por um amigo do escritor Daniel Hauptmann, um curitibano de hábitos singulares que tem o desejo de escrever um livro "digno" a tratar sobre o Diabo na literatura brasileira; nesse sentido, tudo gira em torno da obra ficcional interna à narrativa, Os diários do castelo, que no romance de Rosas G. trata-se de um best-seller dos anos noventa e que vinte anos depois de seu lançamento termina em uma tragédia perpetrada pelo perturbado autor, Hauptmann;2 - Em grande parte o livro é narrado por Roberto, amigo, também empresário, secretário e pau para toda obra de Daniel Hauptmann. Todavia, essa narração em em primeira pessoa revela-se uma das camadas da narrativa, pois temos o intercalar de uma narrativa em terceira pessoa situada no presente, apresentando as consequências do evento trágico na vida de um Roberto que perdeu tudo pelas mãos de Hauptmann. Nesse narrativa em terceira pessoa temos então a declaração de que Roberto está por escrever seu próprio livro sobre o estranho e, ao fim, macabro escritor: o livro dentro do livro dentro do livro;3 - O livro em todos os seus aspectos assume-se um debatedor da questão fáustica, assunto que permeará, obviamente, todas as suas camadas, ou seja, é um livro que busca tratar daquele velho assunto: o Diabo. A obra é marcada pela influência de diferentes obras sobre do Diabo na literatura, especialmente o caso de Grande Sertão: Veredas, tido no livro como a principal obra da literatura brasileira sobre o Diabo. É justamente o debate acerca do livro e da abordagem de Guimarães Rosa sobre o assunto que se tornará a obsessão de Hauptmann, mas trataremos disso especificamente. Primeiramente, gostaríamos de discutir a forte influência do Doutor Fausto de Thomas Mann na construção do livro (na verdade o livro dentro do livro, especialmente a narração memorialística de Roberto) de Rosas G.;4 - Como dissemos, em grande parte a voz narrativa que compõe o conjunto de Até você saber que é é conduzida pela biografia (escrita por um amigo) de Daniel Hauptmann em uma narração feita por Roberto, que pelos fios da memória vai reconstituindo a singular figura do soturno escritor. A voz de Roberto, impossível de não relacionarmos à voz de Serenus Zeitblom, amigo de Adrian Leverkhun que narra a biografia do músico no Fausto de Mann. Mas não só o fato da amizade ou a própria busca por biografar o amigo, suspeito de pactuar com o demônio, na verdade as semelhanças são mais profundas, perpassam pela admiração do biógrafo pelo biografado e ainda mais o tom que ambos conferem à narração colocando o biografado nes névoas do mistério. O que pretendemos dizer, de modo simples é que é impossível ler a biografia narrada por Roberto sem lembrar de Serenus. Ambos são muito eficientes em compor os misterios representados pelas lacunas de suas observações, bem como, no caráter mítico que conseguem sobrepor aos homens dos quais contam a história;5 - Mas será, sobretudo, a questão fáustica em Grande Sertão: Veredas a principal inflexão e reflexões trazidas neste livro, que com isso, candidata-se também a uma filiação no tecido fáustico brasileiro. Não só pelos questionamentos de Hauptmann sobre a abordagem de Guimarães Rosa sobre o Diabo, mas pelo fato de o próprio Hauptmann, então, tornar-se um dos pactários da literatura nacional, isso sob grande influência da obra de Guimarães Rosa. Ocorre que nos debates e conversas de Roberto e Daniel sobre o tratamento do Demônio na literatura brasileira, ao chegarem na questão de Grande Sertão, esta torna-se uma obsessão do escritor Daniel Hauptmann que a partir disso se dedicará à escrita de seu Os dialogos do castelo, uma obra cuja ambição é justamente superar a narrativa de Rosa e entregar-nos um debate novo sobre o tema do Diabo;6 - Todavia, deve-se dizer que todos esses elementos vão surgindo passo a passo na memória de Roberto. Sabemos desde o princípio da questão do tratamento do Demônio, mas só no avançar da biografia de Hauptmann é que vamos tendo acesso à sua relação íntima com Grande Sertão, surgida numa conversa entre ele, a namorada e Roberto a partir da pergunta, qual a grande obra brasileira sobre o Diabo? A lembrança imediata, da qual não discordamos, leva a Grande Sertão, mas ainda com reticências de Daniel, que volta-se novamente à leitura da obra de Guimarães Rosa, para então submergir em suas teorias e doses de ocultismo, a sucumbir a sua grande obsessão pelo livro e então uma conclusão que talvez traga algo de novo à leitura do Diabo em Grande Sertão: seria o romance um grande manual de invocação do Diabo?7 -

O Blog Listas Literárias leu Até você saber quem é, de Diogo Rosas G. publicado pela editora Record; neste post as 10 considerações de Douglas Eralldo sobre o livro, ou aquele velho assunto da natureza do Diabo e suas caras pela literatura brasileira, confira:
1 - Até você saber quem é, de Diogo Rosas G. é um daqueles livros compostos por camadas: o livro dentro do livro; isso porque toda a narrativa mostra-se uma espécie de biografia escrita por um amigo do escritor Daniel Hauptmann, um curitibano de hábitos singulares que tem o desejo de escrever um livro "digno" a tratar sobre o Diabo na literatura brasileira; nesse sentido, tudo gira em torno da obra ficcional interna à narrativa, Os diários do castelo, que no romance de Rosas G. trata-se de um best-seller dos anos noventa e que vinte anos depois de seu lançamento termina em uma tragédia perpetrada pelo perturbado autor, Hauptmann;
2 - Em grande parte o livro é narrado por Roberto, amigo, também empresário, secretário e pau para toda obra de Daniel Hauptmann. Todavia, essa narração em em primeira pessoa revela-se uma das camadas da narrativa, pois temos o intercalar de uma narrativa em terceira pessoa situada no presente, apresentando as consequências do evento trágico na vida de um Roberto que perdeu tudo pelas mãos de Hauptmann. Nesse narrativa em terceira pessoa temos então a declaração de que Roberto está por escrever seu próprio livro sobre o estranho e, ao fim, macabro escritor: o livro dentro do livro dentro do livro;
3 - O livro em todos os seus aspectos assume-se um debatedor da questão fáustica, assunto que permeará, obviamente, todas as suas camadas, ou seja, é um livro que busca tratar daquele velho assunto: o Diabo. A obra é marcada pela influência de diferentes obras sobre do Diabo na literatura, especialmente o caso de Grande Sertão: Veredas, tido no livro como a principal obra da literatura brasileira sobre o Diabo. É justamente o debate acerca do livro e da abordagem de Guimarães Rosa sobre o assunto que se tornará a obsessão de Hauptmann, mas trataremos disso especificamente. Primeiramente, gostaríamos de discutir a forte influência do Doutor Fausto de Thomas Mann na construção do livro (na verdade o livro dentro do livro, especialmente a narração memorialística de Roberto) de Rosas G.;
4 - Como dissemos, em grande parte a voz narrativa que compõe o conjunto de Até você saber que é é conduzida pela biografia (escrita por um amigo) de Daniel Hauptmann em uma narração feita por Roberto, que pelos fios da memória vai reconstituindo a singular figura do soturno escritor. A voz de Roberto, impossível de não relacionarmos à voz de Serenus Zeitblom, amigo de Adrian Leverkhun que narra a biografia do músico no Fausto de Mann. Mas não só o fato da amizade ou a própria busca por biografar o amigo, suspeito de pactuar com o demônio, na verdade as semelhanças são mais profundas, perpassam pela admiração do biógrafo pelo biografado e ainda mais o tom que ambos conferem à narração colocando o biografado nes névoas do mistério. O que pretendemos dizer, de modo simples é que é impossível ler a biografia narrada por Roberto sem lembrar de Serenus. Ambos são muito eficientes em compor os misterios representados pelas lacunas de suas observações, bem como, no caráter mítico que conseguem sobrepor aos homens dos quais contam a história;
5 - Mas será, sobretudo, a questão fáustica em Grande Sertão: Veredas a principal inflexão e reflexões trazidas neste livro, que com isso, candidata-se também a uma filiação no tecido fáustico brasileiro. Não só pelos questionamentos de Hauptmann sobre a abordagem de Guimarães Rosa sobre o Diabo, mas pelo fato de o próprio Hauptmann, então, tornar-se um dos pactários da literatura nacional, isso sob grande influência da obra de Guimarães Rosa. Ocorre que nos debates e conversas de Roberto e Daniel sobre o tratamento do Demônio na literatura brasileira, ao chegarem na questão de Grande Sertão, esta torna-se uma obsessão do escritor Daniel Hauptmann que a partir disso se dedicará à escrita de seu Os dialogos do castelo, uma obra cuja ambição é justamente superar a narrativa de Rosa e entregar-nos um debate novo sobre o tema do Diabo;
6 - Todavia, deve-se dizer que todos esses elementos vão surgindo passo a passo na memória de Roberto. Sabemos desde o princípio da questão do tratamento do Demônio, mas só no avançar da biografia de Hauptmann é que vamos tendo acesso à sua relação íntima com Grande Sertão, surgida numa conversa entre ele, a namorada e Roberto a partir da pergunta, qual a grande obra brasileira sobre o Diabo? A lembrança imediata, da qual não discordamos, leva a Grande Sertão, mas ainda com reticências de Daniel, que volta-se novamente à leitura da obra de Guimarães Rosa, para então submergir em suas teorias e doses de ocultismo, a sucumbir a sua grande obsessão pelo livro e então uma conclusão que talvez traga algo de novo à leitura do Diabo em Grande Sertão: seria o romance um grande manual de invocação do Diabo?
7 - Na verdade, Grande Sertão será uma espécie de ponte entre Hauptmann e o Diabo, e aí para seus próprios pactos, perambulando pelas encruzilhadas noturnas de Curitiba. Isso é o que nos traz a biografia escrita por Roberto, que de pequenas entregas em pequenas entregas vai descrevendo o soturno caminho percorrido por Hauptmann (que em boa parte nos lembra Adrian Leverkhun) até seu encontro e fechamento com o demônio. Nesse sentido, Hauptmann sai de um leitor cético do tratamento do Diabo em Grande Sertão, para um leitor que vê na obra a forma de fazer sua própria travessia, de realizar seu próprio pacto, o que, como ocorre nas tramas fáusticas levará o pactário a uma série de experiências extremas; Hauptmann escreverá então seu best-seller, conseguirá escapar de Curitiba, cidade com quem trava espécie de batalha, e submergirá numa ânsia incontrolável de entender um mundo, do qual, a bem da verdade ele nos parece recluso, pois as lacunas impostas ao biógrafo, nem sempre perto do biografado não nos permitem saber mais sobre os passos de Hauptmann até seu retorno ao Brasil, quando ocorre a grande tragédia;
8 - Mas antes de nos encaminharmos para o fim desta resenha, vale dizer que outro aspecto interessante na obra é a busca por trazer certa representação do espaço literário e do mercado editorial na obra, de modo que veremos os personagens ficcionais interagirem com autores "reais", o que coloca a narrativa também como instrumento de análise e avaliação da própria literatura brasileira; Soma-se a isso, logicamente a centralidade de discussão da obra de Guimarães Rosa, com muitos elementos do Grande Sertão presentes e citados no romance de Rosas G. Nesse sentido, não raro temos as opiniões críticas de Daniel Hauptmann acerca de uma boa dose de autores, opiniões alicerçadas em polemismo, inclusive com seus conterrâneos Dalton Trevisan e Leminski. Além disso, é possível perceber uma discussão sobre os egos e as ideologias nas lutas travadas no campo da arte; Além disso, há Curitiba, que também acaba sendo elemento de análise no romance e por Hauptmann, uma cidade que nos anos noventa adentrou fortemente o imaginário nacional ao mesmo tempo que passamos a conhecer sua literatura que avançou com força pelo Brasil;
9 - Mas voltando à questão do livro, ou na verdade as duas questões: qual seria o grande livro brasileiro sobre o Diabo? Ou, se realmente não há na literatura brasileira obra que discuta o tema com grande propriedade? Pensamos que o próprio desfecho de Hauptmann traía as desconfianças do personagem, ele mesmo sucumbindo ao demônio. Além disso, não podemos deixar de perceber, que embora concordemos com a lembrança imediata de Grande Sertão, o Diabo é figura cara em nossa literatura e Fausto (especialmente o de Goethe) influencia autores e obras de nomes gigantes como Machado de Assis e Álvares de Azevedo. Apenas nessas duas lembranças, por exemplo, temos trabalhos relevantes sobre o Diabo. Contemporaneamente Lourenço Mutarelli é outra figura íntima de Lúcifer. Há, portanto certas limitações no conhecimento de Roberto e Daniel sobre o tema, o que, óbvimente torna suas empreitadas um tanto audaciosas, já que, em cada uma das camadas do livro temos a busca por escrever "a" narrativa fáustica, seja a biografia narrada por Roberto, ou mesmo Os diálogos do castelo, o livro de Hauptmann interno ao de Rosas G.. Nesse sentido, em ambas, consideramos que talvez não SE alcance o objetivo ambicioso de construir uma narrativa do Diabo que ganhe centralidade para além de Grande Sertão. Contudo, por outro lado, é justamente nas inferências de Hauptmann sobre a obra de Rosa que encontramos quem sabe um novo olhar, não menos polemista, já que ele passa a compreender a narrativa rosiana como uma espécie de manual obscurantista para invocação do Demo;
10 - Enfim, embora não consiga ele mesmo, Até você saber que é, se alçar a uma narrativa fáustica basilar, o grande livro do Diabo, tal qual Grande Sertão ou além dele, o romance de Diego Rosas G., todavia insere-se com boa qualidade - e carregado de intenções - nesse tecido contínuo que são as narrativas influenciadas pelo mito de Fausto. O problema, talvez seja, que a obra mantenha-se justamente na base do mito sem talvez renová-lo a ponto de vir a ser um romance fáustico tão importante quanto aquele que questiona. Isso porque temos mais uma narrativa pactária, inclusive com a danação desse novo Fausto, entretanto fica difícil entrever novas concepções do tema e acima de tudo a obra falha naquilo que parece querer propor, uma análise do Diabo, que na obra não tem sua natureza realmente analisada, diferentemente, inclusive de Faustos anteriores em que Mefistófeles é tão relevante quanto Fausto. No livro Rosas G. praticamente temos um Fausto sem Mefistófeles. Ou seja, temos um romance de grandes ambições, mas que em alguma medida acabam não sendo alcançadas, mesmo não deixando de ser importante a lembrança do quanto o mito fáustico permanece vivo entre os leitores - e autores.